Tempo Curto
Eu vim para a Locaweb no começo de junho deste ano. Os planos para o evento começaram exatamente no mesmo dia. Ou seja, tivemos apenas cerca de 4 meses para bolar um evento bastante ambicioso.
Apesar do alto risco, a equipe Locaweb abraçou a idéia e trabalhou duro – muito mais do que qualquer outra empresa jamais faria – para juntar as peças desse quebra-cabeça.
Desde o começo sabíamos que não seria um evento com o objetivo de dar lucro e sim que seria um investimento para o futuro. Felizmente pessoas como o Gilberto Mautner, Claudio Gora, Luis Carlos, todos entenderam essa visão. Não posso abrir números exatos, claros, mas acho que posso dizer que a Locaweb é responsável por metade do investimento total. Isso já descontados patrocínio e os ingressos. Apenas para vocês terem uma idéia, R$ 100 mal paga os 2 almoços e 4 coffee-breaks por pessoa. E nem por isso economizamos com lanchinhos ruins, a comida foi muito boa.
Além disso ainda havia mais problemas: neste mesmo período por Outubro há outros eventos acontecendo. A RubyConf será agora de 6-8 de Novembro. O Rails Rumble 2008 aconteceu neste fim de semana. A maioria dos palestrantes internacionais estão rodando o mundo divulgando Ruby e Rails. Isso é excelente pois é o que os torna importantes mas também é ruim quando você tem pouco tempo porque não há muito espaço para manobrar. Deu bastante trabalho conseguir montar uma grade, muitos tiveram que recusar, mas mesmo assim ainda consegui juntar um excelente grupo de Rubistas de todos os cantos. Imagine que para juntar 14 palestrantes internacionais eu tive que falar com mais de 20.
E não foram apenas americanos, tivemos: David Hansson (Suécia), George Malamidis (Londres/Grécia), Dr. Nic (Austrália), Ninh Bui e Hongli Lai (Holanda), Charles Nutter e Tom Enebo (EUA), Jay Fields (EUA), David Chelimsky (EUA), Phillippe Hanrigou (EUA/França), Luis Lavena (Argentina), Obie Fernandez (EUA).
Felizmente também já temos excelentes palestrantes nacionais. Essa é outra vantagem de nossa comunidade e novamente porque eventos como esse são possíveis: temos nomes de grande peso que nos representam muito bem. Carlos Brando (Surgeworks), George Guimarães (Pagestacker), Manoel Lemos (BlogBlogs, Brasigo), Vinicius Teles (Improve it), Danilo Sato (ThoughtWorks), Fabio Kung (Caelum).
Outro problema do tempo curto: dificuldade em conseguir patrocinadores. Alguns me questionaram, por exemplo, porque não tínhamos livraria ou editoras vendendo livros durante o evento. A resposta é porque em Agosto tivemos a 20a Bienal do Livro em São Paulo e todo o investimento em eventos da maioria das editoras/livrarias estava concentrado nesse evento, por motivos óbvios. Além disso, no meio “tradicional”, Rails realmente é pouco conhecido e por isso a maioria dos prospects simplesmente subestimou o evento. Procurar patrocínio é bem difícil. Todas as empresas que vocês puderem imaginar, nós procuramos.
Agradecimentos aos patrocinadores que acreditaram no evento:
Outra coisa que me questionaram: por que não fizemos mais acordos com hotéis perto do Anhembi. Bom, nós tentamos, mas alguns meses antes do evento a maioria já estava lotada. São Paulo está cheia de eventos o tempo todo e antecedência é tudo para esse tipo de coisa. Pelo mesmo motivo foi que pegamos o Anhembi, porque todos os outros bons centros como o Frei Caneca ou o Rebouças já estavam comprometidos com outros eventos.
Quando pegamos o Elis Regina, ele ainda estava em reformas. Nós precisávamos de dois auditórios e por isso nós mesmos construímos o segundo junto ao lounge. Eu estava bem preocupado que não fosse ficar adequado, mas felizmente deu tudo certo nisso também.
Divulgação é outro problema com tempo curto. Felizmente muitas pessoas e instituições ajudaram na divulgação online. Revistas como a Linux Magazine ajudaram desde o começo. Boa parte da divulgação foi online, apesar de termos feito anúncios impressos em revistas como Info Exame. Novamente, ter uma comunidade que já está acostumada a blogar e twittar é essencial.
Com tudo isso, algumas coisas estavam bem claras para mim: evento de tecnologia tem obrigação de oferecer Wifi e tomadas. Não consigo entender porque cargas d’água um evento que teoricamente tem programadores como audiência não teria sequer wifi aberto. Aliás, eu imagino porque: porque se trata de eventos passivos, exatamente no estilo que falei acima “eu falo, você apenas escuta – e compra.” Eventos comerciais, feitos para vender produtos, de fato não precisam de interatividade nem comunicação, apenas de propaganda e marketing. Exatamente o oposto do que eu queria.
Além disso, para as palestras via internet (inicialmente somente do David Hansson, e depois do Charles Nutter e Tom Enebo), contratamos links dedicados, isolados somente para essas duas palestras, para garantir que teríamos a melhor comunicação possível do nosso lado. Aliás, esse era outro ponto de alto risco. Falo sobre isso a seguir.
O site do evento também teve vários problemas, novamente pelo curto tempo disponível. Como eu acabei de entrar na Locaweb ainda não existia nenhum programador Rails disponível, mas tínhamos vários programadores ASP.NET, portanto temos que ser pragmáticos e o site do evento saiu dessa forma. Aprendemos muito com tudo que aconteceu e tenho certeza que faremos muito melhor.
E, com tudo isso, ainda tínhamos que lançar o suporte oficial a Ruby on Rails, que fizemos logo nos primeiros dias de agosto :-)
Bastidores
Nós do mundo Ágil já sabemos que Big Design Up Front não funciona, ponto. Muitas coisas vão sair diferente do planejado simplesmente porque é assim que a realidade funciona. O importante não é sair do planejado e sim como respondemos ao inesperado.
Para começar, tivemos vários pequenos problemas no site do evento. Tivemos alguns – poucos – casos de problemas com pagamento, dúvidas quanto ao esquema de estudante. Mas como disse antes, tivemos pouco tempo. Dadas as circunstâncias, acho que pelo menos ninguém saiu prejudicado, o que já é bom.
No fim de setembro tive o primeiro problema de grade: o palestrante Carlos Villela, que viria de Londres, teve problemas em um projeto da ThoughtWorks e acabaria não conseguindo participar. Felizmente o Carlos Brando e todo o time da Surgeworks aceitou palestrar no lugar e pelo feedback foi um grande sucesso.
Logo depois, o David Hansson teve um problema: ele viajaria para Barcelona exatamente no horário da palestra dele. Nós não tínhamos colocado no dia 15 porque era o aniversário dele (aliás, mancada minha, esqueci de mencionar isso na hora). Mas no fim resolvemos mudar para o primeiro dia. Mais do que isso, no dia do evento, eu abri o iChat para já deixar ele preparado enquanto o Chad Fowler abria o evento, mas tivemos problema de sincronia de Horário de Verão (!) Eu achava que era um horário, ele achava que era outro horário. Imagine a conversa na hora: “David, você começa daqui 1 hora” e ele “1 hora? Achei que era daqui uns 10 min!” E ele não podia esperar mais uma hora porque ele já tinha outro compromisso logo depois da palestra dele. Felizmente o Chad foi legal em conversar com o David e trocar as palestras de horário.
Mais do que isso: eu tinha testado tudo no dia anterior com o David, mas na hora “H” meu iChat resolveu que não queria abrir a conexão de vídeo. Mais uma vez, o Chad me salvou emprestando o Macbook dele e daí conseguimos colocar o David no telão. Foram momentos tensos. Acho que da platéia não deu para perceber mas eu estava bastante adrenado – imagine: problemas logo na primeira palestra do dia!
Em seguida foi a vez de inaugurarmos o segundo auditório, onde eu dei a primeira palestra paralela sobre o básico de Ruby e Rails. Quem é de São Paulo sabe que durante várias semanas tivemos dias muito frios e a expectativa era que o frio amenizasse mas ainda continuasse. E qual não é nossa surpresa de saber que o dia 15 de outubro parece que foi um dos dias mais quentes do ano! O Lounge, o restaurante, os estandes e o segundo auditório estavam debaixo de uma lage. Se a temperatura do lado de fora estava quente, dentro estava cozinhando!
É aqui que a organização da Locaweb se diferencia. A maioria dos organizadores pensaria: “já gastamos demais, não tem o que fazer.” Em vez disso, o pessoal foi atrás de ventiladores daqueles que umedecem o ar com esguichos de água e também trocou o sistema de ar condicionado do segundo auditório. Fora isso, tiraram o buffet de dentro do restaurante e colocaram no lounge, dessa forma as pessoas comendo nas mesas não seriam assadas com o calor da comida. Ou seja, no segundo dia a temperatura já estava bem melhor. Foi até meio que “sorte” que o primeiro dia teve somente 2 palestras no segundo auditório (minha e do Carlos Brando) e no segundo dia se concentraram as outras 5.
Outro problema: no fim do primeiro dia eu ainda precisava configurar meu macbook para que o Charles Nutter fizesse a apresentação dele no dia seguinte. Aliás, esqueci de mencionar: a idéia original era ter ambos Charles e Tom presentes fisicamente no evento, mas por problemas de visto, na última hora tiveram que desistir. Então conversei com eles e resolvemos tentar fazer online. Para garantir que do lado da platéia não houvesse lags nem delays de refresh de tela, eles é quem controlariam minha máquina via internet. Tentamos com o iChat, que tem o recurso de Screen Sharing. Porém, eles pretendiam apresentar a partir dos escritórios da Sun em Minneapolis.
Ou seja, eles precisavam que não somente os slides da apresentação, mas os demos que eles mostrariam ao vivo, estivessem todos funcionando na minha máquina. Obviamente, deu problema na minha máquina. Fiquei com o Charles online das 23hrs do dia 15 até as 3:30 do dia 16, tentando descobrir o que estava errado. Recompilamos o JRuby do trunk, trocávamos JDKs, etc. O problema era um symlink perdido que estava faltando – como sempre, a solução sempre é um detalhe simples.
Durante a apresentação do Charles e do Tom, nosso link dedicado estava perfeito e desobstruído, porém, como eu temia, a rede da Sun estava ruim. Por vários momentos o áudio era cortado rapidamente por causa de intermitência da conexão. Afinal, eles estavam vendo minha tela do lado deles, o que significa que toda vez que havia atualização na tela, o tráfego para o lado deles aumentava e isso enroscava o áudio, que estava sendo via Skype. Pelo menos o pior, que seria perder a conexão totalmente, não aconteceu. Mas as tradutoras com certeza tiveram maus bocados para conseguir traduzir simultaneamente com todos os problemas de áudio. Quem entendia inglês acompanhou sem problemas, mas infelizmente quem precisava de tradução deve ter ficado desapontado. Desculpem.
Aliás, a tradução foi outro grande problema. Eu só entendi o problema durante o evento: tradutores em tempo real estão acostumados a palestras técnicas no estilo Microsoft, Google, SAP, ou seja, com Powerpoints cheios de bullets, lotados de texto onde o palestrante é daquele estilo que meramente lê os slides – o pior tipo.
Railers, por outro lado, fazem exatamente o oposto – o correto, por sinal – que são slides sem textos, onde ninguém lê slides. Todo mundo que palestra sabe do que está falando, os slides são apenas para ilustrar o que eles estão falando. Obviamente isso confunde completamente os tradutores, que agora não tem absolutamente nada para ler de apoio. Eu até tinha feito um pequeno glossário para elas antes do evento, mas sem ter contexto técnico é difícil saber o que não pode ser traduzido, o que pode ser adaptado. Eu soube, por exemplo, que tentaram traduzir coisas como “Smalltalk”. Desculpas a quem precisou de tradução, mas é o melhor que se pode conseguir no mercado. Mas daí, como falei no começo, fiquei contente que mais da metade dos participantes não precisavam da tradução.
Fora tudo isso, eu ainda precisava guiar os palestrantes estrangeiros nos dias em que estiveram aqui. Nesse caso meus grandes agradecimentos ao Tim Case, ao Danilo Sato, ao Manoel Lemos. A ajuda deles foi indispensável. O Tim levou muitos deles para passear pelo centro da cidade, conhecer a Santa Ifigênia, logo na terça-feira. O Danilo Sato me ajudou a levá-los ao Bolinha para comerem feijoada. Na quarta-feira o Manoel Lemos e a Locaweb bancaram um jantar no Fogo de Chão para eles conhecerem nosso churrasco. Na quinta-feira nós levamos todos ao Okuyama, na Liberdade, para comerem sushi. Nesses dias todos eu acompanhava todos aos jantares mas depois voltava ao evento para continuar os testes. Por isso que eu twitei que não dormi mais que 5 horas entre terça e quinta. A Locaweb também cuidou desse outro problema: transporte. Tínhamos uma van disponível aos palestrantes internacionais durante todos os dias do evento.
No segundo dia, alguns devem ter notado que ficamos sem luz logo no começo do dia. Foi por poucos minutos, mas um caminhão parece que bateu num poste do lado de fora! Felizmente o pessoal da organização já tinha um gerador a diesel preparado e por isso nada de mais aconteceu. Ligamos o gerador e até a hora do almoço ficamos nele. Nesse caso a precaução se pagou.
Fora isso tudo, tínhamos a logística de horários, grades, deixar os palestrantes preparados no horário certo. Felizmente tivemos a ajuda da Cristiane Dias que é secretária do Gilberto Mautner aqui na Locaweb. Ela teve que andar bastante atrás de todos os palestrantes :-)
De todos os problemas, somente um deles não deu para contornar: a gravação das palestras. Nós tínhamos uma câmera preparada para gravar o dia todo sem parar. Porém, tivemos problemas técnicos da câmera com o PC onde estava ligado, e no final acabamos não conseguindo fazer as gravações. Peço mil desculpas a quem esperava ter gravações, eu mesmo não assisti quase nenhuma das palestras e sei como vocês devem estar se sentindo. Nesse caso, eu peço aqui a colaboração da comunidade para escrever o que viram e ouviram da forma mais detalhada possível nos seus blogs para quem não conseguiu participar ter a chance de pelo menos entender o conteúdo das palestras. Notem que o Flickr já tem mais de 900 fotos, elas só precisam ser organizadas em posts :-)
A mim, pessoalmente, teve um fator que me ajudou bastante na hora de fazer as apresentações todas no palco: durante todo o mês de setembro eu fiz várias palestras em faculdades, começando em Batatais, depois Ribeirão Preto, Xanxerê em Santa Catarina, São Carlos. Graças a isso eu estava bem treinado. Em Batatais, confesso que ainda estava nervoso para falar frente à platéia, mas fazendo isso várias vezes acabei me acostumando. Assim, quando subi no Elis Regina, acho que não fiz muito feio.
Fora o cansaço – que ajuda não pensar em nervosismo – acho que deu para apresentar tudo de maneira satisfatória. Em algumas ocasiões eu tive que fazer o papel de tradutor também, para traduzir as perguntas da platéia de português para inglês. E ainda não acabou, quinta-feira (23/10) estou indo para Rio Claro participar do SECCOMP 2008 e no fim de semana tem a Intercomp 2008 aqui em São Paulo mesmo. Não existe nada melhor do que praticar para aprender mais e nesse caso, todo mundo me ajudou. Obrigado!
Perfil de um Railer
Chega de falar de problemas! :-)
O Gilberto Mautner ficou impressionadíssimo com a qualidade e o nível da platéia em geral. Muita gente acima da média. Como eu falei acima, eu também fiquei surpreso. Parece que os Railers, no geral, são todos muito bons.
Mas eu acho que é o contrário: são as pessoas muito boas que conscientemente escolhem aprender e usar Ruby ou Rails. Quase metade da platéia ainda era de iniciantes, pessoas que ainda não conheciam ou que sabiam muito pouco sobre Rails. Mas a parte importante delas é que são pessoas que tem vontade de fazer as coisas de maneira diferente, que estão cansadas do jeito tradicional, que procuram algo com o qual se sentir empolgadas com a profissão novamente. A comunidade Ruby on Rails é especial nesse sentido porque ela começou se formando a partir de profissionais experientes de diversas outras áreas, seja de Java, de PHP, etc.
Como disse, eu não assisti todas as palestras, mas na do Chad Fowler ele mencionou Java. Na hora eu já sabia qual seria a repercussão: “Railers falam mal de Java”
Era exatamente a repercussão que eu não queria. Minha idéia de encontro é de união, não de cisão. Por isso mesmo convidei Charles Nutter, Tom Enebo, Fabio Kung para falar das grandes vantagens de Ruby com Java. E também por isso convidei o Luis Lavena para falar de Ruby no Windows. Há espaço para todos.
Eu conheço o Chad e o resto dos Railers que costumam “falar mal de Java.” E nesse caso cabe explicação: alguns realmente não gostam de Java como um todo, ponto final. Porém, mesmo eles cabem na mesma categoria de pessoas que não gostam do “Java mindset” e não necessariamente da tecnologia Java.
Acho que isso começou mais de uma década atrás com o inocente “Write Once Run Anywhere” (WORA). O tiro pela culatra de “escrever uma vez e rodar em qualquer lugar” gerou a impressão que “todos os problemas podem e/ou devem ser resolvidos via Java, em detrimento de qualquer outra linguagem”.
Da forma como a coisa evoluiu, muitas pessoas e até mesmo instituições começaram a falar de Java como a única coisa que um programador precisa saber. É o que o Joel Spolsky critica no artigo The Peris of JavaSchools. Recomendo que leiam. A tecnologia Java (a JVM) é excelente. Tem muito a melhorar ainda, mas é de fato uma peça importante. Já a linguagem Java é o problema – se e somente se – for encarada como a única que deve ser aprendida. O problema é: existe uma enorme população de programadores Java que pensam exatamente assim. Eu conheço dezenas, vocês leitores, devem conhecer muitos mais.
Porém, existem diversos programadores Java que são, de fato, verdadeiros artistas da programação. Como eu falei no meu artigo anterior, são pessoas fora da média. Charles Nutter, Fabio Kung são bons exemplos: excelentes programadores tanto de Java quanto de Ruby.
Os melhores programadores do mundo são poliglotas.
Ou seja, são verdadeiros artistas. Por isso mesmo a “impressão” que existem tantos excelentes profissionais no mundo Ruby agora: é o momento onde diversos deles se juntaram a esta comunidade – sem necessariamente ter saído das anteriores. Com o tempo, se o Rails um dia se tornar mainstream (e tem muitos que até torcem para que isso nunca aconteça), provavelmente teremos o mesmo problema, onde a maioria dos Rubistas vai achar que Ruby resolve todos os problemas.
Na realidade, a tarefa de nós, early-adopters, é justamente incentivar os programadores a desenvolver seus talentos ao máximo, aprendendo um pouco de tudo. Claro, cada um terá esta ou aquela linguagem ou ferramenta favorita, mas nada disso impede aprender mais coisas. O melhor Javeiro será aquele que souber Ruby, Python, Erlang, etc. O melhor Rubista será aquele que souber OCaml, Objective C e assim por diante. Um programador Ruby que apenas sabe Ruby e acha que tudo se resolve com Ruby, será quase com certeza um péssimo codificador, jamais um “Programador” (com “P” maiúsculo).
Eu nunca “escolhi” virar um evangelizador. 3 anos atrás comecei a mostrar Ruby e Rails a amigos porque eu gostei muito da tecnologia. De repente me tornei um evangelizador. É um título perigoso porque parece que Evangelizar significa Dogmatizar.
Dogma, por definição, descreve ignorância. Como evangelizador Ruby, gosto de explicar porque Ruby é interessante do ponto de vista de “veja como esse novo jeito de pensar pode ajudá-lo mesmo que você não use Ruby.” Eu não ganho nada se convencer os outros, agressivamente, a usar Ruby. Prefiro criar profissionais que saibam pensar por si mesmos, fora da gaiola. Portanto, meu objetivo é primeiro tirar os programadores da gaiola e mostrar como um artista pensa. Tirá-lo da Revolução Industrial para a Renaissance da Informática. Naturalmente, pensando assim, o profissional vai entender onde Ruby e Rails pode ajudá-lo.
Um bom programador gosta de programar. Um mal programador sofreu lavagem cerebral, é dogmatizado e se curva e ajoelha a uma ferramenta ou a uma marca, sem motivo real.
Um evangelizador responsável jamais deve dizer “Java é uma porcaria, use Ruby.” Eu já fui irresponsável, estou aprendendo.
Mas de qualquer forma, fiquei extremamente contente de ter visto a quantidade de grandes profissionais que temos na nossa comunidade. Pessoas de opinião, com vozes próprias, com atitude. Fiquei particularmente contente durante a sessão “Birds of a Feather” (BoF) que aconteceu no final do primeiro dia. Sinceramente, estava preocupado que 2, no máximo 3 pessoas iriam subir para falar no palco. A idéia era que qualquer pessoas falassem do que quisessem.
Qual não foi minha surpresa ao ver que tivemos uma fila! O pessoal falou no palco por mais de 1 hora e meia! E boa parte da platéia ficou até o fim, não somente porque são participativos mas porque o conteúdo apresentado foi realmente muito bom. Destaque ao Elomar, que por causa de sua palestra no BoF ganhou notoriedade dentro da blogosfera Rails no Brasil. Mostrou como uma pessoa jovem (de 17 anos), sem sequer um notebook (parece que ele pegou emprestado na hora), foi capaz de montar uma narrativa interessante, que arrancou gargalhadas do público e muitos aplausos no final. Parabéns!
O Rails Summit foi um sucesso por causa disso: da Comunidade Rails do Brasil. Apenas ter a infra-estrutura no lugar não garantiria o sucesso. O fator mais importante que eu esperava – e não me decepcionei – seriam as pessoas. O lounge, o wifi, as tomadas, são apenas panos de fundo para fazer as pessoas se comunicarem. Mas eu não posso obrigá-las a isso: elas precisariam querer se comunicar. E elas queriam! Grandes artistas não vivem enclausurados num porão, grandes artistas se comunicam, trocam experiências, aprendem coisas novas. Como diria Chad Fowler, para estar ao lado de grandes profissionais, você próprio precisa se tornar um grande profissional.
Espero que quem estava lá para aprender um pouco mais de Ruby e Rails tenha conseguido absorver essa atmosfera de camaradagem, sede de conhecimento, colaboração, socialização. Se entenderam a filosofia, aprender a ferramenta em si é a parte fácil.
Um fato que não pode ser ignorado, durante o evento alguém começou tirando fotos de uma das agora conhecidas locaweb-zets em particular uma certa “Morena”. Como tínhamos Wifi, e um grande número de pessoas estava de notebook (coisa que não se vê normalmente em eventos de tecnologia, pasmem), abriram um projeto no Github !
Graças às características do Git, qualquer um poderia colaborar instantaneamente e foi isso que aconteceu. De repente uma dúzia de forks surgiram e mais e mais material foi acumulado. O Chris Wanstrath, criador do Github, estava lá e disse “eu aprovo!” :-)
No fim do evento, todos deveriam preencher uma pesquisa de satisfação para participar de um sorteio na hora. A expectativa é que a maioria não preenchesse, foi quando eu gritei do palco: “pessoal, preencham porque quem vai buscar as pesquisas será a Morena-OpenSource!!” A platéia aplaudiu em coro! Ou seja, todos estavam sabendo desse projeto underground que nasceu espontaneamente no ambiente do evento.
Sem querer levantar conotações machistas nem nada, claro, mas foi apenas divertido ver o que acontece num ambiente aberto: auto-organização! Todos blogaram, twitaram, pelo que soube abriram até canal IRC na Freenode. Fora o LiveStream, cortesia do Manoel Lemos, do BlogBlogs.
O Fim de um Ciclo
Eu abri o Summit contando o seguinte: o famoso vídeo do blog em 15 minutos que o David Hansson fez, foi primeiro apresentado pessoalmente por ele mesmo na FISL 6.0 de 2005, em Porto Alegre, no Brasil! Tivemos a chance de sair na frente 3 anos atrás e isso não aconteceu.
Antes ainda do Rails se tornar o sucesso estrondoso de hoje, muitos brasileiros antes de mim perceberam o potencial e trouxeram o David ao FISL. Destaco meus amigos Tim Case e Rodrigo Kochenburger. Porém, naquela época, a comunidade Ruby brasileira inexistia. Pelo que me contam, talvez umas 50 pessoas tenham assistido e ainda assim a maioria sendo de pythonistas.
Fiz muita questão que o David Hansson participasse no Rails Summit, coincidentemente em seu aniversário no dia 15, para ele fechar o ciclo que ficou inacabado em 2005. Agora, em 2008, a comunidade Ruby e Rails do Brasil está chegando perto do seu Tipping Point, o ponto onde os early-adopters começam a passar o bastão aos early-majority. É um ponto muito sensível. Felizmente, como disse antes, a comunidade brasileira é forte.
Temos vários bons cases de sucesso como os da e-Genial, da Webco e diversos outros que já disseram que usam Rails como a Globo.com, UOL, diversos órgãos de governo e vários outros produtos.
Temos nomes muito fortes. Eu particularmente não me considero um bom programador, existem vários outros muito melhores do que eu como o Ronaldo Ferraz, o Nando Vieira, o Carlos Brando, o Marcos Tapajós, o Silvestre Mergulhão e dezenas de outros. É graças a todos eles que hoje temos vários projetos open source na nossa comunidade.
Temos vários comunicadores de renome, experientes, com muito a dizer como o mestre Vinicius Manhães Teles, o Manoel Lemos. Empreendedorismo, filosofia Ágil, pensamento acima da média, pessoas em quem se inspirar.
Temos várias iniciativas da comunidades como o RailsBox podcast, grupos de estudo como o aprendendo-rails. Já traduzimos material como o Getting Real ou o Why’s Poignant Guide to Ruby que o Carlos Brando está encabeçando.
O que tiramos de tudo isso: somos uma comunidade auto-organizada, como uma boa comunidade open source, não temos cadeia de comando. Não temos hierarquia. Não temos cargos nem departamentos. Cada um de nós sabe o que queremos e tomamos ações e iniciativas para esse fim. E novamente retorno ao fato que nossa comunidade tem a filosofia Ágil como seu núcleo. Nossas ações não são direcionadas por campanhas de marketing ou metas de vendas. É como a comunidade Linux e open source em geral.
Não buscamos concentrar quantidade de pessoas e sim pessoas de qualidade. Tanto atrair as pessoas de alta qualidade como ajudar a formar as que querem se tornar excelentes.
O Rails Summit não poderia ter acontecido muito antes desta data. Acho que tivemos muita sorte de encontrar a Locaweb no momento certo em que precisávamos de um encontro como esse. Espero que todos tenham saído com um ânimo renovado e muita vontade de contribuir e ajudar a aumentar essa comunidade. A mudança não acontece sempre de cima para baixo. Uma única pessoa, em sua equipe, pode começar a disseminação. Pense em vírus e como eles se espalham, conhecimento é um vírus, conhecimento quer ser livre. Espalhe!
Obrigado novamente, a todos que participaram, o Rails Summit não seria o mesmo sem todos vocês!