AkitaOnRails: Então, vamos começar. É bem estranho entrevistar alguém que já se conhece. Mas vamos tentar. Antes de falarmos sobre Ruby, a primeira coisa que muitos dos meus leitores ficam intrigados é sobre suas excelentes habilidades com o Português. Pode nos dizer o que levou a isso?
Carl Youngblood: Sim. Minha primeira introdução ao Português foi como um missionário Mórmon no Brasil. Eu cheguei em São Paulo tendo recebido um curso rápido de dois meses de Português. Quando cheguei aqui, me pareceu que eu teria que aprender tudo de novo – essa não era a linguagem que nos ensinaram! Mas depois de passar dois anos no Brasil em um contexto em que era imperativo conversar com as pessoas, eu aprendi Português bem. Entretanto, eu diria que minhas habilidades eram primariamente de conversação. Mais tarde eu descobri a literatura portuguesa e desenvolvi melhor minhas habilidades de escrita.
Ao retornar aos Estados Unidos, eu decidi fazer duas faculdades, de Português e Ciências da Computação. Decidi aprender Português porque gostei muito da língua, e senti que tinha talento para isso. Escolhi Computação porque me apaixonei por computadores desde que tinha 12 anos e ganhei meu primeiro Commodore 64. Ou talvez tenha sido 10 anos. Não lembro exatamente.
AkitaOnRails: Onde ficou durante esses dois anos no Brasil? Quais eram suas responsabilidades aqui?
Carl Youngblood: Eu fiquei em Monte Mor (uma pequena cidade perto de Campinas), Campinas, Marilia, Umuarama, Maringá e Campo Grande.
AkitaOnRails: Mas você fazia alguma coisa relacionada com computadores aqui durante esse período? As pessoas aqui ficariam interessadas em saber o que achou do nosso país, sendo um estrangeiro que passou um bom tempo entre nós. Quais suas impressões pessoais sobre o país, as pessoas, a cultura, nossos hábitos locais? Talvez algumas palavras sobre algumas coisas boas e ruins :-)
Carl Youngblood: Meus primeiros quatro meses foram gastos na maior parte encontrando com pessoas nas ruas e em suas casas e tentando ensiná-los sobre nossas doutrinas. Apenas para deixar claro, Mórmon é um apelido dado à minha igreja porque eles acreditam em um livro de escrituras chamado O Livro do Mórmon, junto com a Bíblia. Mas o nome completo da igreja é A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. De qualquer forma, gastei os primeiros quatro meses ensinando as pessoas e ajudando a conduzir reuniões da igreja e andando um bocado – andávamos mais de 20 km por dia, e eu frequentemente me lembro de andar no meio da noite com dores nas pernas :-) Depois dos primeiros quatro meses, fui chamado para trabalhar no escritório da missão em Campinas como Historiador da Missão – um tipo de secretário. Aí minhas habilidades de computação foram usadas.
Depois de gastar quatro meses em Campinas como historiador da missão, fui chamado para ajudar a abrir uma nova missão em Marília, e gastei outros quatro meses trabalhando no escritório dessa missão no computador.
Eu realmente não desenvolvi nenhum grande software para a missão, embora eu tenha ajudado a desenhar um banco de dados Access que imediatamente caiu em desuso depois que eu fui embora :-)
De maneira geral eu realmente gostei muito do meu tempo no Brasil. Eu descobri o quanto gosto de aprender outra língua, e essa fascinação recém-descoberta me levou a estudar essa língua mais tarde na universidade. As pessoas brasileiras que conheci foram na maior parte muito amigáveis. Não era incomum ser convidado às casas das pessoas para comer mesmo antes de nos conhecermos, e eles normalmente estavam dispostos a dar mais do que podiam oferecer. Eu também gosto muito de música Brasileira, especialmente Música Popular Brasileira (MPB). Tom Jobim é meu herói, junto com outras lendas como João Gilberto, Luiz Bonfá, Vinícius de Moraes, e outros artistas mais modernos como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Djavan. Foi maravilhoso descobrir um mundo completamente novo de música e literatura que se abriu para mim quando aprendi Português. A comida foi muito boa também, embora eu tenha sentido falta de alguns itens de casa, como milho frito e manteiga de amendoim, por mais estranho que pareça.
Por outro lado, eu frequentemente notava uma profunda falta de ambição. A maioria dos Brasileiros que conhecemos se contentavam em ter um teto sobre suas cabeças, comida na geladeira e uma TV. Claro, minhas observações devem ser meio limitadas pelo fato de ter interagido mais com a classe mais pobre da população que não moravam em grandes condomínios, que eram difíceis para nós visitarmos sem ter agendado com antecedência. Um dos problemas mais difíceis do Brasil é a grande disparidade entre rico e pobre e a conseqüente pequena classe média. Quando o Brasil aboliu a escravidão (um dos últimos países a fazer isso), pouco ou nenhum esforço foi feito para assistir os escravos emancipados na transição para empregos no novo sistema econômico, que levou ao desenvolvimento de muitas cidades autônomas cruas que eram praticamente completamente isoladas dos mais “respeitáveis” centros de comércio. Essa isolação continua hoje. Não é incomum ver um subúrbio bem abastado bem ao lado de uma favela decadente, como se uma estivesse ignorando a existência da outra. Apesar disso, no geral o Brasil está avançando e o padrão de vida melhorando dramaticamente.
Um evento que eu me lembro bem foi o advento da internet pública e a WWW em 1995 enquanto eu estava em Maringá, acredito. Antes eu comentava sempre com meu irmão, na época das BBS baseadas em texto que seria legal criar uma linguagem de markup que permitisse computadores renderizar gráficos através de uma conexão discada de modem. Quando eu vi a WWW em 1995, disse, “Alguém roubou minha idéia!” :-)
AkitaOnRails: Haha, então você estava envolvido em atividades online desde antes do advento da Web propriamente dita? E, você entrou na faculdade depois desses dois anos aqui?
Carl Youngblood: Eu estava envolvido em BBSes baseadas em modem em nossa cidade de Provo, Utah, desde 1990 mais ou menos. Meu irmão tinha uma BBS chamada ‘London after Midnight’. Ele estava meio que nesse cenário de gótico/cyberpunk (ou pelo menos queria estar :-). Na maior parte do tempo usávamos para piratear joguinhos, antes de eu crescer e entender que outras pessoas estavam tentando se sustentar com essas coisas.
Eu já tinha feito um ano de faculdade de música (performance de Clarinete) antes de ir para a missão. Depois da missão eu retornei à faculdade e mudei de cursos.
Falando nisso, também estávamos conectados a uma rede mundial chamada Fidonet, onde participávamos de grupos de notícias e tínhamos discussões offline. Toda noite nosso computador discava para um sistema em Nevada para baixar as novas mensagens.
AkitaOnRails: Oh, isso é legal. Voltando ao assunto, eu também estava em BBSes por causa do meu vizinho. Ele tinha uma BBS hacker chamada Medusa e nós brincávamos muito de quebrar senhas, usávamos Blue Box e assim por diante. (Caramba, estamos confessando muitos crimes aqui, espero que ninguém nos processe ;-) ) De qualquer forma, então você também foi pego na época da Bolha da Internet? Fazendo sites PHP e coisas do tipo?
Carl Youngblood: Haha, bem lembrado. Essa época de BBS foi divertida. Nos sentíamos como se estivéssemos na vanguarda. Omniture (chamado de MyComputer.com na época) estava no meio de uma aquisição pela NetObjects. Entretanto, antes da aquisição ter sido fechada o preço das ações da NetObjects caíram ao ponto deles serem depreciados para a metade do custo da aquisição, o que basicamente significava que isso não ia acontecer. A MyComputer.com demitiu muitas pessoas, mas eu saí alguns meses antes disso acontecer. Meu chefe, falando depois do acontecido, me disse que eu teria conseguido me manter no trabalho (fui um dos primeiros empregados), mas vi sinais de problemas e tive outra oportunidade, então peguei o emprego na Legato Systems desenvolvendo drivers de espelhamento no Windows.
AkitaOnRails: Mesma coisa para mim aqui no Brasil. Eu estava envolvido com empresas ponto-com que faliram mas eu pude sair com alguns meses de antecedência. De qualquer forma, então você foi direto para programação baixo nível. Quantas habilidades de programação você tem? De assembler de baixo-nível até Ruby, sem mencionar Pascal, VB, PHP, etc?
Carl Youngblood: A Legato acabou fechando seus escritórios em Orem, Utah, e nesse ponto eu voltei para a escola para me graduar. Eu comecei pensando em fazer mestrado em Português e eventualmente trabalhar como um professor de uma universidade depois de pegar meu PhD. Entretanto, eu me via constantemente trabalhando com projetos de software, mesmo quando eu lecionava aulas de português e fazia meus estudos de graduação. Eventualmente decidi que deveria encarar o óbvio e continuar minha paixão por desenvolvimento de software. Então eu mudei para o departamento de Ciências da Computação e comecei a trabalhar na direção de um mestrado em Computação. Tudo isso foi na Universidade Brigham Young em Provo, Utah.
Primeiro eu aprendi Pascal e C++ no colégio. Minha primeira experiência profissional foi como programador C++ desenvolvendo aplicações Windows usando MFC. Então consegui um emprego fazendo desenvolvimento PHP/MySQL para a Omniture. Depois disso eu estava fazendo drivers Windows em C mas também fazendo Ruby, Perl e PHP em paralelo. Drivers são bichos totalmente diferentes porque você não tem nem mesmo as bibliotecas comuns ANSI C disponíveis para você. Então a sintaxe C é a mesma, mas é só isso. Mais tarde consegui um trabalho na Boeing fazendo mais desenvolvimento C++ em plataforma Linux, e ao mesmo tempo aumentando minhas habilidades em Ruby/Rails com projetos paralelos. Eu também aprendi programação funcional com
Scheme, assim como com algumas outras linguagens como OCaml, Prolog e ZPL durante meu mestrado. Eu não me chamaria mais que um amador na maioria dessas linguagens, mas eles definitivamente abriram minha mente para novos paradigmas de desenvolvimento.
AkitaOnRails: Você tem seguido muito dos caminhos descritos pelos Pragmatic Programmers como David Thomas e Chad Fowler: aprender novas linguagens, especialmente as que tem paradigmas diferentes. Você já conhecia o trabalho deles sobre essas recomendações? Ou foi somente uma curiosidade natural que o levou a aprender tantas linguagens?
Carl Youngblood: Bem, os programas de Ciências da Computação que estudei em (BYU e Universidade de Washington) fizeram um bom trabalho em nos dar pelo menos alguma exposição para uma gama grande de conceitos e linguagens. Eu certamente estou agradecido pela minha educação porque me apresentou a novas idéias e conceitos que eu provavelmente não teria estudado se não fosse por isso. Eu também tinha lido Pragmatic Programmer e tentei seguir os conselhos de sempre aprender novas coisas e me expor a novas linguagens. Eu também sou meio que um viciado em informação. Eu sou praticamente viciado no meu leitor de feeds RSS, e me sinto incrivelmente ansioso se começo a ficar para trás na minha leitura – quase como se eu estive sendo deixado para trás enquanto o mundo se reinventa. A verdade é que normalmente não perco qualquer coisa extremamente revolucionária por estar fora do computador por alguns dias, mas algumas vezes me sinto assim.
Ou ainda, eu me preocupo que isso poderia acontecer :-) Pode ser um problema. É difícil chegar a um equilíbrio, especialmente com esposa e filhos para dar atenção também.
AkitaOnRails: Você está certo. Isso é outra coisa que eu sempre grito nos posts do meu blog: ser bem informado, sempre. Não há desculpas com ferramentas como agregadores de RSS atualmente. E se um americano pôde ir tão longe para aprender Português e ainda assim ser um especialista em tecnologia como você, há ainda menos desculpas para brasileiros não melhorarem seus Inglês e ler mais.
Carl Youngblood: Tenho certeza que você conhece a teoria de Maximizadores vs Satisfeitores. Eu li sobre isso no blog de alguém, tirado de um livro (que não me lembro qual). Algumas vezes eu … me preocupo tanto que possa existir uma solução mais elegante lá fora que eu não consigo me decidir quando está bom o suficiente e ir direto para o negócio de codificar.
AkitaOnRails: hm, sim, acredito que já li alguma coisa sobre isso.
Carl Youngblood: Esse é um problema nessa era de rápida inovação. Sempre é um alvo em movimento., e algumas vezes você tem que dizer que algo está bom o suficiente e seguir em frente.
Joel Spolsky falou sobre isso e compara às táticas militares de colocar a cobertura de fogo em camadas e atirar enquanto avança. Raramente uma nova tecnologia ou palavreado novo é tudo que promete ser, mas isso mantém a competição brigando pelo seu lugar.
Em geral, parece que a sociedade está avançando em direção a níveis de crescimento constante de abstração. Rails é um bom exemplo disso. Toda sua mentalidade é predizer o máximo possível as coisas que os desenvolvedores vão querer fazer o tempo todo e tornar as abstrações convenientes para eles. Mas estou certo que esse é apenas o começo. Podemos esperar futuros frameworks fazer mais e mais do trabalho pesado para nós, que por sua vez nos capacitará a atingir mais e mais com menos e menos esforço.
AkitaOnRails: Sim, é um bom ponto de vista. Porque as pessoas tendem a ‘se apaixonar’ com uma super-nova tecnologia em particular e esquecer sobre todo o resto. Isso leva a pura obsessão. E depois de um tempo, essa ‘nova tendência’ é esquecida totalmente e você apenas perdeu seu tempo.
Carl Youngblood: Sim, precisamos nos manter atualizados em novas tecnologias mas tentar não se tornar muito dogmáticos sobre eles. A recente apresentação de Chad Fowler na MountainWest Ruby Conference falou sobre isso.
AkitaOnRails: Ei, perdoe o trocadilho, mas vindo de alguém com tanta formação dogmática religiosa formal como você, é uma coisa muito interessante de ouvir: ‘não seja tão dogmático.’ No fim é tudo uma questão de bom senso, mas mesmo bom senso tem que ser treinado. Daí a necessidade de se manter sempre bem informado, constantemente estudando e mantendo a mente aberta para coisas novas e não fechando os olhos para todo o resto.
Carl Youngblood: Eu acredito que a estrutura de crença de qualquer um nunca deve ser tão rígido a ponto de não permitir modificações. Eu estou sempre disposto a re-examinar minhas crenças sob a luz de novas evidência e estou pronto a rejeitar ou modificar crenças que parecem erradas ou mal-informadas quando colocadas sob escrutínio.
Em defesa da minha instrução Mórmon, embora seja uma religião meio conservadora, ela valoriza boa educação, o que inevitavelmente leva à iluminação e normalmente à modificação de crenças anteriores. Felizmente meus colegas paróquios ainda me recebem bem, embora algumas das minhas crenças pareçam um pouco não-ortodoxas e são diferentes daquelas que eu tinha quando era mais jovem.
AkitaOnRails: Nós precisamos mais desse tipo de pensamento no Brasil: pragmatismo. Enfim, voltando outra vez, você esteve ocupado por um longo tempo. Aprendendo português, terminando sua graduação, trabalhando em companhias de Internet, companhias tradicionais. E todo esse tempo Ruby estava pelos lados, aguardando. Quando você finalmente entendeu que queria fazer mais Ruby? Foi durante algum projeto no seu trabalho, ou foi algo que você decidiu por si mesmo?
Carl Youngblood: Acho que acordei de verdade com o crescimento meteórico de Rails e da evangelização da 37signals sobre a mentalidade Caindo na Real. Eu assisti à palestra Construindo Basecamp em Seattle e fui à primeira RailsConf. Eu estava realmente inspirado pelo discurso de Nathaniel Talbott sobre homesteading.
Uma coisa que me pegou sobre minha experiência na RailsConf foi que eu vi colegas lá que começaram a usar Ruby ao mesmo tempo que eu e cujos nomes apareciam nas listas de discussão de Ruby junto com o meu. A principal diferença entre nós é que eles decidiram se tornar ativamente envolvidos, a desenvolver projetos open source deles mesmos, e a construir uma reputação para eles na comunidade, enquanto eu enrolava em Ruby mais como um hobby. Avançando quatro ou cinco anos à frente e eles já estavam dirigindo suas próprias empresas e realmente fazendo uma carreira em Ruby. A RailsConf foi um grande toque para eu entender que eu precisava estar mais envolvido na comunidade.
Então decidi lançar alguns trabalhos anteriores meus como gem e dar uma apresentação na nossa conferência Ruby local Mountain West. Eu lancei o gem SBN (Simple Bayesian Networks). Preparar minha apresentação e código foi estressante mas valeu a pena.
Alguns colegas e eu também estamos trabalhando em um negócio de gravação de conferências chamada Confreaks. Estamos esperando fazer uma trabalho melhor em gravar e disseminar conferências técnicas para motivos de posteridade. É uma vergonha que todas essas grandes conferências estão acontecendo e ninguém está gravando.
De qualquer forma, meu envolvimento crescente na comunidade tem me ajudado a acelerar minha carreira e me permitiu codificar em Ruby como um trabalho.
AkitaOnRails: Mas onde você estava na época em que Rails começou a chamar atenção? Seu trabalho permitia ter tempo suficiente para dedicar a Ruby ou você já tinha trocado de emprego? Quero dizer, você não estava satisfeito com o estado da época da sua carreira e as tecnologias que usava? Qual foi seu ‘ponto de virada’? Apenas ver a RailsConf e as notícias sobre Rails?
Carl Youngblood: Eu estava trabalhando para a Boeing quando Rails apareceu. Era um emprego confortável e sem muita pressão e um projeto do Departamento de Defesa com um cronograma fixo e longo que me permitia tempo para estudar. Eu já tinha o hábito de me manter atualizado nas tecnologias atuais (Ruby em particular) e ler vários tipos de blogs regularmente. Eu teria aceito uma posição de Ruby a qualquer momento mas ainda era difícil de arranjar. Quando pedi, meu chefe me pagou para que eu pudesse ir à RailsConf, então eu já estava bem interessado. Eu já vinha trabalhando em um projeto freelance que eu tinha escrito antes em PHP, e ofereci para reconstruir em Rails com um grande desconto apenas para ganhar experiência em Rails. Então você poderia dizer que eu estava bem interessado em tudo relacionado a Ruby desde 2000 mas apenas recentemente o mercado de trabalho começou a suportar posições Ruby em tempo integral.
AkitaOnRails: E sua primeira empreitada em direção a Ruby foi seu projeto open source SBN e a palestra na Mountain West? Poderia nos descrever como foi? Pelo menos para mim, quando eu quero ‘dizer’ alguma coisa, eu fico muito empolgado e particularmente ansioso em ter tudo escrito (no meu caso, em posts no meu blog). Eu posso imaginar que você quase não deve ter dormido antes da conferência. :-)
Carl Youngblood: Sim, eu fiquei acordado muitas noites preparando minha palestra. De fato, a maior parte das minhas noites foram gastas deixando o código pronto para consumo humano. Saber que o mundo em geral vai usar seu código o faz querer refinar mais que o normal, escrever mais testes unitários, etc. Então eu gastei um mês ou dois antes da conferência trabalhando no código e só tive uma semana para preparar os slides. O material da minha apresentação era bem técnica, então eu acabei escrevendo minha palestra como anotações nos slides, só para garantir que eu não explicaria alguma coisa errada por causa da pressão do momento. Se eu tivesse mais tempo eu gostaria de ter memorizado os pontos chave para que a apresentação ter sido mais natural, mas no geral fiquei contente de como as coisas funcionaram. Eu também estava trabalhando no projeto da Confreaks de gravar a conferência, então eu estive ocupado em duas frentes, sem mencionar meu emprego.
AkitaOnRails: E nessa época você ainda estava na Boeing? Ou você já estava na Surgeworks? Como começou a trabalhar na Surgeworks em tempo integral?
Carl Youngblood: Na época em que eu estava terminando o mestrado em Ciência da Computação na Universidade de Washington enquanto estava trabalhando na Boeing, eu recebi a oferta de um amigo para retornar à Utah e trabalhar para ele como CTO de uma construtora chamada Construction Capital Source. Uma das minhas responsabilidades seria desenvolver o sistema deles em uma tecnologia de minha escolha, que por acaso foi Rails. Eu mordi a isca e passei por um grande momento pelo ano e meio seguinte. Mas a empresa passou por dificuldades com o crash recente no mercado de construção. Embora seus clientes tivessem excelentes taxas de crédito, o mercado passou um pano por toda a indústria, e nossos investidores ficaram assustados. Eu terminei deixando minha posição e aceitando um trabalho na Surgeworks como “Rails Practice Manager,” o que significa que eu supervisiono todos os projetos de Rails da empresa, e com sorte gastando pelo menos metade do meu tempo codificando, embora no momento ainda não tenha funcionado bem assim. Temos ganhado muito mais trabalho desde que comecei, então muito do meu tempo tem sido gasto escrevendo propostas e estimativas de projeto até agora, mas estou estabilizando.
AkitaOnRails: Mas como você conheceu a Surgeworks? Lembro você ter mencionado que já conhecia Dane Falkner de outro lugar?
Carl Youngblood: Dane e eu ambos participamos das reuniões do grupo local de usuários de Ruby em Salt Lake City, então eu o conhecia de lá. Depois de deixar a CCS, eu postei uma mensagem na lista do URUG e fiquei feliz em ver que havia muitas posições de Ruby disponíveis. Acredito que não terei problemas em encontrar trabalho com Ruby no futuro enquanto estiver interessado em codificar em Ruby :-)
AkitaOnRails: Isso é legal. Existem vários grupos locais aqui também. Ainda estamos no começo desses grupos aqui no Brasil. O que você pode dizer sobre o crescimento e entusiasmo da comunidade? O que você vê para Rails daqui para frente?
Carl Youngblood: Na minha experiência, a chave para o sucesso de grupos de usuários é ter um ou dois indivíduos dedicados com paixão para organizar e promover as reuniões e alinhar o interesse nas apresentações. Se fizer isso, as pessoas vão participar. Nossos grupos locais passaram por altos e baixos dependendo do nível do entusiasmo dos organizadores. Outra coisa que parece ajudar é gerar conteúdo destinado a vários níveis de capacitação. Garantir que está recepcionando e ajudando iniciantes é importante. A comunidade ainda está crescendo, como evidenciado por muitas conferências regionais de Ruby que estão nascendo por todo os EUA.
Eu estava empolgado pelos planos das funcionalidades para o Rails 2.0 do DHH e sua retórica mais contida em oposição à primeira RailsConf, o qual alguns comentaram que pareciam mais um rally de Nuremburg :-) Acho que Rails vai continuar a amadurecer e tem pelo menos 2-3 anos de grande sucesso antes de sofre a eclipse de algum novo paradigma.
AkitaOnRails: Isso é importante e talvez você possa dar algumas idéias. Muitos dos principais colaboradores de Ruby e Rails no Brasil, dos nossos fóruns locais, grupos de usuários, blogs e websites ainda não tiveram a oportunidade de trabalhar em tempo integral com Rails. Então eles tem pouco ou quase nenhum tempo para devotar a Ruby ainda. Acredito que já houve um tempo assim aí nos EUA. O que você acha que foi o ponto de virada para a comunidade florescer?
Carl Youngblood: Acredito que acima de tudo, o incrível sucesso (especialmente o sucesso de marketing) do Rails tenha sido o maior colaborador para essa mudança. Mas isso não impediu desenvolvedores de Ruby apaixonados de trilharem seu próprio caminho antes disso. Eu acho que o que precisa mudar no Brasil é a mentalidade de “é somente mais um trabalho”. As pessoas precisam começar a seguir algumas das recomendações da Pragmatic Programmer a sério e encontrar tempo para atividades de capacitação extra-curriculares, incluindo reuniões de Ruby. Foi o que o pessoal nos EUA fizeram e eu acho que algo similar seja necessário no Brasil. Também acho que exista uma diferença cultural que podemos culpar parcialmente. Não quero afirmar que qualquer um dos sistemas seja superior, mas acho que Americanos (pelo menos os tipos ambiciosos que estão na comunidade Ruby) gastam mais de 40 horas por semana focando na sua arte, e por outro lado acredito que muitas pessoas no Brasil olham para desenvolvimento de software como algo apenas para pagar as contas.
Claro que temos muitos programadores aqui com a mesma mentalidade.
AkitaOnRails: Falando em paixão, David sempre reafirma sobre o senso de estética da comunidade, seu senso essencial de beleza em relação à codificação. Você sentiu isso quando começou? Muitos dizem que essa é uma das razões para a comunidade Ruby e Rails ser tão focada em direção a Macs. O que acha disso?
Carl Youngblood: Eu concordo. Matz normalmente menciona o provérbio Chines que diz algo como “o começo da sabedoria é dar nomes corretos às coisas”. O pessoal de Ruby tende a gastar muito tempo focando na semântica e garantindo que o código não só é útil mas elegante. Acredito que quanto você procura maximizar seu nível de abstração e, por conseqüência, seu poder de programação, esses tipos de coisas são muito importantes e podem fornecer um enorme ganho de produtividade.
A Apple parece refletir uma mentalidade similar em seus designs.
AkitaOnRails: Eu acho que seria legal mencionar que eu fiquei bastante surpreso de ver quase todo mundo na Surgeworks sendo fãs Apple. Nunca esperei por isso. Acho que a Apple está ganhando a mesa dos desenvolvedores valorizada como uma ferramenta de produtividade. Bem, eu sei que já abusei de você por muito tempo :-) Algum outro comentário para a audiência Brasileira?
Carl Youngblood: Acho que muito da paixão da Surgeworks por Apple vem do Dane, que é um grande fã. Meu principal conselho aos meus amigos no Brasil é de reconhecer a importância que seu esforço individual pode ter. Vocês tem uma indústria de TI relativamente forte para a América do Sul uma comunidade open source crescente. Eu tenho ficado muito impressionado com alguns dos techies Brasileiros de maior voz como você, Fabio, que começou a compartilhar suas opiniões na Internet. Mudança não é trazida pelas massas, mas por indivíduos corajosos e preocupados que se libertam do status quo. Quanto mais brasileiros levarem isso a seu interior, mais cedo os trabalhos de Ruby vão começar a aparecer. Eu me lembro de uma citação que dizia algo assim:
“Nunca duvide que um pequeno grupo de cidadãos cuidadosos e dedicados possa mudar o mundo. Aliás, é só assim que acontece.” (Margaret Mead)
AkitaOnRails: Muito bom. Bem, acho que podemos encerrar por hoje. Muito obrigado! Acho que as pessoas vão gostar disso.
Carl Youngblood: Legal! Obrigado por seu tempo, Fabio.